5dez 2022
06:30 UTC
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A mentira como ato de fala

Este trabalho discute a noção de mentira do ponto de vista da teoria pragmática dos atos de fala, entendendo que mentir nada mais é do que um ato feito única e exclusivamente por meio de palavras. A partir da teoria de Searle (1969, 1979 inter alia), existem uma série de aspectos que delimitam a realização de um ato de fala e, embora elas sejam suficientes para determinar uma grande parte deles, a mentira parece não se encaixar na tipologia proposta, talvez por não estar entre os atos que partem do princípio cooperativo griceano, ainda que este não seja um pressuposto necessariamente assumido por aquele autor. Ainda assim, é interessante observar que a mesmas condições de felicidade postuladas por Searle são aplicáveis à mentira, o que pretendemos demonstrar com este trabalho. Ou seja, o seguinte ocorre:
i) Condições preparatórias:
a) Um conteúdo proposicional P falso;
b) O falante sabe que P é falso;
c) O ouvinte não sabe que P é falso;
d)  O falante sabe ou ao menos supõe que c
e)  O falante tem a intenção de enganar o ouvinte ao proferir o P
ii) Condição de conteúdo proposicional:
a. O conteúdo proposicional deve se assemelhar a um ato assertivo;
b. O enunciado deve conter uma informação que seja dissonante da verdade em
alguma medida;
iii) Condição de sinceridade:  o ouvinte assume que se trata de ato assertivo, ou seja, espera do falante a sinceridade tácita envolvida em atos deste tipo;
iv) Condição essencial: a intenção do falante de enganar.
Ou seja, quando o falante disfarça o ato de mentira em um ato assertivo, o que ele faz é esconder a intenção de enganar, sem a qual a felicidade do ato estaria comprometida. Neste sentido, as condições de felicidade do ato assertivo, ou seja, o compromisso com a verdade da proposição expressa, a sinceridade do falante com relação ao ouvinte, o pacto dos interlocutores com a veracidade da informação veiculada pelo conteúdo proposicional estão tacitamente assumidas por ambos neste jogo. Sem este pacto tácito, o falante seria incapaz de escamotear uma informação falsa na situação. É necessário que a informação falsa esteja disfarçada para que a intenção de enganar seja bem sucedida, da mesma forma que o ouvinte não saiba que a informação é falsa. É apenas assim que a intenção de enganar se realiza dentro do jogo das condições de felicidade dos atos de fala de Searle.