Construção de Ação Causada: Análise de Corpus
Uma mesma mensagem pode ser expressa de diferentes formas. Por exemplo, quando alguém vai ao salão e corta o cabelo com o cabeleireiro, pode-se dizer [cortei o cabelo] ou [tive o cabelo cortado], sendo a primeira a forma mais convencional no Português Brasileiro (PB). Um falante de PB curiosamente abordou em um tweet este fenômeno da língua: Cortei o cabelo ou tive o cabelo cortado…? (Albuquerque, Gesiel; 2020; Twitter). Essa questão revela certa ambiguidade em [cortei o cabelo], uma vez que não foi a própria pessoa que cortou o cabelo, mas sim pediu ao cabeleireiro para cortá-lo. Esse fenômeno é chamado de construção de ação causada, uma estrutura argumental transitiva [Subj V Obj] em que é empacotado o significado de uma atividade indiretamente causada (Santos, Ciríaco e Souza, 2019). Com base nas hipóteses de Ciríaco (2014) e Santos, Ciríaco e Souza (2019), e nos pressupostos teóricos da Linguística Baseada no Uso (BARLOW, KEMMER, 2000) e da Gramática de Construções de Goldberg (1995, 2006, 2019), este trabalho verificou, a partir de uma investigação de dados de uso real, por meio de busca em corpus (Brazilian Portuguese Corpus da plataforma Sketch Engine) e em rede social (Twitter), que a construção de ação causada se restringe ao contexto de prestação de serviços, como observado em: [reformei (a casa)], [fiz (as unhas)], [xeroquei (o livro)], [fiz escova (no cabelo)], [pintei (o muro)], [construí (a casa)], e diversos outros exemplos. Também foi possível observar a extensão do contexto da construção a atividades que não podem ser feitas pela própria pessoa, como: [coloquei silicone]; [coloquei aparelho (ortodôntico)]. Ainda, notou-se que, quando não há o contexto de ação causada, ocorre a marcação da agentividade do sujeito por meio do uso de “sozinho/eu mesmo” ou especificando o instrumento utilizado. Também foi possível constatar os verbos mais frequentemente usados na construção: cortar; construir, reformar, vender*, alugar*, imprimir, colocar e fazer (como: Cortei meu cabelo há seis anos na altura da nuca.; Construí minha casa com a janela voltada para a serra da Barriga.; (…) mas eu fiz depilação para ir à piscina!). Outras questões foram levantadas a partir dos resultados, como o papel da frequência do verbo no uso da construção e a possibilidade de outras atividades serem descritas assim, pontos a serem explorados em pesquisa futura, com experimentos psicolinguísticos. Em conclusão, este estudo mostrou como tipos oracionais já convencionalizados na língua podem ter seu significado alterado para atender a diferentes necessidades comunicativas dos falantes, a depender do contexto.