5dez 2022
06:30 UTC
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DIZ QUE JÁ FICOU PARA NÓS AQUI NO MUNDO: POR QUE REGISTRAR E DESCREVER O PORTUGUÊS INDÍGENA?

Este trabalho parte da análise do uso da expressão “dizque” como fenômeno de contato linguístico na fala de pessoas bilíngues em português e nheengatu (família Tupi-Guarani) para demonstrar a importância do registro do português indígena, ainda pouco estudado em âmbito acadêmico, e contribuir com possibilidades de descrição. Enquanto boa parte dos estudos sobre a história de contato entre as duas línguas procura explicar a formação do nheengatu a partir do tupi antigo, esta investigação integra uma pesquisa inédita que mapeia os efeitos de tal contato nas estruturas morfossintáticas do português de falantes bilíngues em São Gabriel da Cachoeira (AM), principal reduto do nheengatu na atualidade. Aqui, dialogando com linhas teóricas já amplamente adotadas na antropologia, nos debruçamos sobre um desses efeitos em específico para propor uma abordagem interdisciplinar e perspectivista de tais fenômenos de contato linguístico: o uso da expressão “dizque” como marcador de evidencialidade na narração de histórias tradicionais em português por falantes bilíngues. Utilizamos a teoria de ecologia do contato de Salikoko Mufwene para a análise dos dados linguísticos, mas pretendemos dar um passo além, defendendo que o fenômeno atestado carrega mais do que informações linguísticas per se. Nossa hipótese é a de que a variedade de português que emerge de tal situação de contato pode ser também veículo de expressão de regimes de historicidade, poética e tradição inerentes aos falares e contextos discursivos do nheengatu – na linha do que Mufwene chama de “vitória pírrica” das línguas com pretensões imperiais, que acabam sendo reestruturadas pelas línguas ditas de substrato.
Assim, em consonância com o que vem sendo discutido em espaços como A Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032), acreditamos que registrar e descrever o português indígena, tão pouco pesquisado na esfera científica, é uma maneira de reconhecer essa variedade da língua, assim como os modos de pensar e as características das línguas originárias que ela possa carregar consigo.