5dez 2022
06:30 UTC
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Sobre a coordenação adversativa em Português Europeu

Embora línguas como o espanhol e o alemão tenham duas conjunções adversativas distintas (pero e sino; e aber e sondern, respetivamente), o português tem apenas o morfema mas para veicular os valores de correção e de negação de expectativas. Tendo em conta as várias construções em que mas pode ocorrer e a dificuldade notada por Canceiro (2019, 2021) em estabelecer uma ligação clara entre as construções e os valores de mas, analisaremos neste trabalho os valores associados a frases como (2)-(5) e as configurações sintáticas que lhes estão subjacentes. Quanto a frases como (1), que envolvem coordenação frásica, é geralmente aceite que o seu valor é de negação de expectativas. Os casos em (2)-(5), por outro lado, não são consensuais e serão o alvo da nossa análise.
(1) Está a chover, mas o João vai à praia.
(2) O João não deu um livro à Maria, mas à Ana.
(3) O João deu um livro à Ana, mas não à Maria.
(4) O João deu um livro não à Maria, mas à Ana.
(5) O João deu um livro à Ana, mas à Maria não.
Dada a dificuldade em associar os dois principais valores de mas a estas construções, construímos uma Tarefa de Compatibilidade Contexto-Frase (Escolha Forçada), em que os participantes têm de avaliar qual dos contextos ((6) para correção, ou (7) para negação de expectativas) é mais adequado às construções (2)-(5), ou alternativamente se os dois são adequados.
(6) Alguém foi corrigido por dizer que o João tinha dado um livro à Maria.
(7) Esperava-se que o João tivesse dado um livro à Maria e isso não aconteceu.
A tarefa foi apresentada na plataforma desenhada por Lourenço-Gomes (2018) e os resultados do teste piloto mostraram uma preferência, em todas as construções, pela interpretação de negação de expectativas (a recolha de dados está em andamento). Os dados obtidos com a tarefa irão permitir perceber se a conexão assumida por alguns
autores entre os valores da conjunção e as configurações sintáticas é robusta. Em relação a frases com valor corretivo, por exemplo, Vicente (2010) propõe uma análise de coordenação frásica e elipse, enquanto Toosarvandani (2013) e Steindl (2017) assumem que embora seja possível adotar a análise de Vicente, não existem argumentos suficientemente fortes para excluir uma proposta de coordenação de constituintes sub-frásicos.
A nossa análise para o PE assume que não existe uma ligação direta entre o valor semântico e a configuração sintática, embora tipicamente a coordenação de sintagmas esteja associada ao valor corretivo. Assim, apresentaremos evidência para que as frases (2)-(5) sejam analisadas da seguinte forma: (i) para frases com negação frásica (cf. (2)) assumimos a possibilidade de coordenação frásica + elipse (no segundo termo), ou coordenação de dois PPS, sendo que apenas o primeiro está sob escopo da negação, uma vez que mas bloqueia o escopo para o segundo termo; (ii) frases como (3) e (4), por corresponderem a casos de Contraste Sintagmático, serão analisadas como coordenação de sintagmas (sem elipse), mesmo quando os sintagmas são CPs; por fim, (iii) frases como (5) correspondem a casos de Elipse de TP com partículas de polaridade (cf. Saab, 2008; Matos, 2017), ou seja, coordenação frásica + elipse.
Este trabalho pretende, assim, fornecer uma análise da coordenação adversativa, tendo em conta dados experimentais que clarificarão valores semântico/pragmáticos, e apresentar configurações sintáticas que reflitam as diferentes propriedades destas construções, considerando ainda a hipótese de existirem dois mas em PE.