5dez 2022
06:30 UTC
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A Semântica da Construção Bem Que X

A Gramática de Construções (GOLDBERG, 1995; HILPERT, 2010) é um modelo que postula que a totalidade do conhecimento linguístico do falante pode ser representada por uma rede de construções: pareamentos de forma e significado. Essa teoria tem se destacado pelos estudos de idiomaticidade – uma vez que não diferencia léxico de regras gramaticais, o tratamento dessas estruturas intermediárias é melhor viabilizado. Nesse sentido, este trabalho propõe uma análise semântica de uma construção idiomática específica do português brasileiro: a Construção Bem Que X, que pode ser ilustrada pelas frases (1-4); e cuja semântica pode ser de difícil elaboração senão por meio de um estudo sistemático e aprofundado.
(1) Todo mundo desencalhou na virada. Bem que minha mãe avisou que não sou todo mundo.
(2) Para uma religião [o cristianismo] que prega o amor e compaixão, eles bem que mataram muito em nome do fanatismo.
(3) Bem que podia ter um botão na Netflix “continuar onde você pegou no sono”.
(4) O desgoverno bem que tentou aparelhar todas as instituições, mas falhou. Esse é o motivo do desespero!
Por meio de uma análise qualitativo-interpretativa de 500 dados dessa construção levantados no Twitter (de onde foram retirados os exemplos citados), foi identificado que essa construção representa um nó na rede que é hierarquicamente superior a outras 4 subconstruções: a de Confirmação, exemplificada em (1); a de Desafio, exemplificada em (2); a de Desejo, exemplificada em (3); e a de Lamento, exemplificada em (4). A cada um desses quatro padrões estão associados sentidos específicos, que se diferenciam no nível mais baixo da rede, mas que apresentam similaridades no nível mais alto. Nessa perspectiva, a análise semântica realizada se pauta na Estrutura Informacional de Lambrecht (1994), sobretudo nos conceitos de proposição, pressuposição e asserção: no nível mais esquemático, a construção Bem Que X apresenta a presença de uma asserção que contrasta com uma pressuposição anterior. No nível menos esquemático, no caso de Subconstrução de Confirmação, há a pressuposição 1 de que um sujeito elaborou uma proposição P; a pressuposição 2 de que o falante não tomou a proposição P como verdadeira; e a asserção de que o falante admite a verdade de P e lamenta seu erro. Na Subconstrução de Desafio, há a pressuposição de que há algum grau de improbabilidade na proposição P de X; e a asserção de que o falante, apesar disso, deseja o conteúdo da proposição P de X. Na Subconstrução de Desejo, há a pressuposição de que existe uma determinada proposição P’; e a asserção de que uma proposição P põe em cheque/contraria a proposição P’. Por último, na Subconstrução de Lamento, há uma pressuposição de que um sujeito não tentaria realizar uma ação; e a asserção de que o sujeito tentou realizar essa ação e que é lamentável por algum sujeito o fato de que ela não alcançou seus objetivos.