5dez 2022
06:30 UTC
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Línguas em contato e diaconstruções emergentes

Efeitos de transferência da L1, amplamente estudados na literatura da área de Aquisição de Segunda Língua, têm sido descritos como decorrentes da aplicação de regras gramaticais da L1, durante aprendizagem de nova língua. Sob tais efeitos, desenvolve-se um sistema denominado Interlíngua (SELINKER, 1972), ou seja, uma variedade mutável da L2, com marcas da L1. Nessa perspectiva, o novo sistema indicaria que aprendizes jovens e adultos desenvolvem uma gramática internalizada separada, sob efeitos unidirecionais da L1. Sendo essa separação questionada por modelos teóricos baseados no uso, interessa-nos saber se efeitos em direção contrária podem ocorrer, ou seja, se usos da L2 podem modificar usos da L1. E se isso pode ocorrer, essa seria uma evidência para a reorganização constante de um único repertório ou constructicon multilíngue? Para essa investigação, mobilizamos recentes estudos sobre línguas em contato, por um viés construcionista e baseado no uso ˗ Gramática de Construções Baseada no Uso (GOLDBERG, 2019; HILPERT, 2019) e Gramática de Construções Diassitêmica (HÖDER, 2018; HÖDER et al, 2021) – que têm possibilitado explicações importantes sobre o constructicon de falantes bi/multilíngues. Esses modelos teóricos assumem que o constructicon multilíngue emerge do uso e forma uma rede de construções potencialmente crescente. Nessa rede, estariam conectadas variedades de idioconstruções (específicas de cada língua) e de diaconstruções (compartilhadas entre as línguas). No caso de brasileiros surdos usuários da LIBRAS e do PB, a emergência dessas duas línguas em contato ocorre a partir de modalidades distintas: a primeira é sinalizada e, em geral, não é aprendida precocemente, mas sim a partir do ingresso em escolas em que há sinalizantes dessa língua; a segunda é escrita e dependente de instrução explícita, configurando, assim, uma situação de bilinguismo escolar (SOARES, 2021). As investigações iniciais das produções de adultos surdos, tanto em PB escrito (SOARES; NASCIMENTO, 2020), quanto em LIBRAS (GODOY; SOARES, 2021), mostram evidências de reanálise de construções funcionais dos tipos atributiva, equativa e apresentacional, configuradas pelos esquemas [SN VFUNC SAdj]ATR, [SN VFUNC SN]EQUA e [VFUNC SN]APRES. A princípio, em LIBRAS, não haveria um slot para VFUNC, mas em PB, sim. Sob efeito de transferência da LIBRAS, textos produzidos por aprendizes surdos frequentemente não materializam as variadas formas do verbo SER. Pesquisas realizadas no âmbito do Núcleo de Estudos em InterlínguaS vêm observando em vídeos coletados a partir de 2017 um aumento na frequência de ocorrência de um item empréstimo do PB: o sinal <É>. Essa forma tem preenchido slots de VFUNC, aparentemente nos três tipos de construção funcional da LIBRAS. Pretende-se apresentar esse que parece ser um tipo recente de diaconstrução emergente do contato, cujo efeito tem se manifestado também em textos escritos em PB, em que a forma ‘é’ é combinada a sujeitos singular e plural.