Verbos transitivos indiretos também formam passivas
Os verbos transitivos indiretos (VTI) do português brasileiro (PB) são tradicionalmente caracterizados na literatura pela impossibilidade de formar passivas, sendo esta formação considerada possível apenas para verbos transitivos diretos (VTD) (KURY, 2000; GODOY, 2008; BECHARA, 2009, entre outros). Assim, VTI e VTD têm sido vistos sob a ótica de suas diferenças, sendo classificados separadamente. No entanto, encontramos dados do PB que refutam empiricamente a postulação de que os VTI não aceitam a voz passiva, como o verbo “pisar”, levantando um problema para sua caracterização. Diante deste problema, tomamos como nosso objeto de estudo os VTI do PB que passivizam e hipotetizamos que os VTI e os VTD possuem mais semelhanças do que diferenças, não pertencendo a classes diferentes em uma classificação semântico-lexical. Coletamos 70 VTI dinâmicos PB a partir do Dicionário de Borba (1990). Esses verbos foram analisados por meio da aplicação de testes sintáticos e semânticos de gramaticalidade e pela busca de suas construções relevantes em corpora. Adotamos a Semântica Lexical (FILLMORE, 1970) para a análise sintático-semântica de nossos dados, mas tratamos sua categorização de forma mais flexível, à luz da Teoria de Protótipos (LAKOFF, 1970). Verificamos que, dos 70 VTI analisados, um total de 37 verbos aceitam voz passiva (53%) – a maioria. Além disso, descobrimos que o comportamento dos VTI que passivizam, como o verbo “pisar”, se assemelha ao comportamento dos VTD que passivizam, como o verbo “pisotear”, uma vez que atestamos que eles possuem os mesmos componentes de sentido e licenciam as mesmas construções sintáticas. A única diferença entre eles está relacionada à presença/ausência de preposição em suas estruturas sintáticas, mas não encontramos evidências de que isso seja relevante gramaticalmente. Tendo em vista os dados de passiva com VTI, propomos uma mudança de perspectiva para explicar seu comportamento. Assumimos a posição de desvincular a passivização do tipo de construção da transitividade, considerando que ela não tem relação unívoca com a transitividade. Além disso, sugerimos uma aproximação entre os VTI e os VTD, propondo que eles podem ser classificados em conjunto a partir de uma visão de protótipos. Concluímos que, como hipotetizamos, os VTI e os VTD do PB têm mais semelhanças que diferenças, pelo menos no caso daqueles que passivam. Analisá-los conjuntamente traz uma maior capacidade de generalizar verbos que possuem um comportamento semelhante.